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27 de dezembro de 2013

Hoje eu vi uma criança vindo ao mundo

Hoje eu vi uma criança vindo ao mundo e sem perceber, me vi de frente
pra uma cena um tanto quanto única em todas as suas formas.
Um gesto de carinho e um outro de ternura - tanta coisa sendo dita, tantos pensamentos se misturando e de um jeito meio involuntário o peito nos enche de coisas boas, quase sem nome. Um silêncio ansioso e sorridente de um menino-grande. Lembranças adormecidas, vindas do cheiro da cama dos meus pais nas noites de domingo, assistindo algum programa de TV enquanto o sono não vinha. Lembranças mornas da alegria no cheiro da pizza em um sábado a noite em família. O sorriso nos brota quase que como se estivéssemos de frente para um presente, representando sonhos e fantasias - um tanto de amor embutido em mistério. Uma a uma as memórias nos acariciam a cabeça e quando menos percebemos, as lágrimas já nos salgaram a boca. 

Um turbilhão de emoções dando vazão à questionamentos quase-poéticos, que gritam no íntimo de cada um que deseja saber se seria o próximo ou, simplesmente pensando quando seria a minha vez. De repente parece que todos os medos se tornam pequenos diante de algo tão grande: quando minha coragem e dedicação seriam postas à prova? Quando a razão passaria a ser secundária em um novo mundo de amor sem condição, sem freio? E mesmo que erroneamente nem sempre nos sintamos amados ou desejados, que isso seja usado como a maior razão para nunca deixar um filho se sentir sozinho ou abandonado.


Uma diferença gritante entre as gerações passadas e de hoje, não está presente nas tecnologias ou na velocidade das informações. A diferença que cria um abismo entre dois mundos que se perderam dos bons valores, está nos filhos que não devem ser acidentes e se ao acaso forem, que assim sejam desejados antes mesmo de serem amados. O mundo se torna um lugar mais rico em esperança quando de alguma forma, os sonhos são resgatados em abraços. Quando assim, as alegrias são depositadas em um cuidado sem tamanho, ao invés de se carregar um fardo e por ele, criar-se um amor de cria.


Filhos não vêm com livro de regras, muito menos o cargo de pai e de mãe. Mas talvez..., só talvez, seja essa uma das mais bonitas estrofes que compõe em parte a poesia presente em cada troca de afagos.


E por mais que o meu corpo e coração gritem ansiando pela alegria de um herdeiro, eu continuo trabalhando a minha fome por crescimento, a minha capacidade de entrega em devoção pra ser ao menos a metade (só metade) do homem que quero ser quando me tornar pai.


Hoje eu vi uma criança nascer, foi lindo.

4 de junho de 2013

A máscara de 3 décadas.

- Eu lembro do meu pai ter me contado a história do Rei Midas. 
- E o que isso tem a ver com ela?
- Bom, eu não virei ouro, mas depois que ela me tocou, eu virei homem. 


31 de março de 2013

"Houve Um Caso Estranho Há Muito Tempo Atrás..."

"Houve um caso estranho há muito tempo atrás, que até hoje se escuta falar" - Celso Blues Boy, Sobre Robert Johnson.

   Talvez se perder. Ganhar as estradas, compor sentimentos em notas subindo por um céu de nuvens cinzas, semi-refletidas nas gotas de água escorrendo sobre uma pele escura quase opaca que cobria o corpo de alguém que havia deixado de lado o mundo, correndo solto pela imensidão dos campos, na beira das estradas.
   Sonhos inquietos embalados por Sol, Mi, La, Fá, Si, Re. Pestanas. Solos. Gritos, rimas, desabafos. Repetidamente em diferentes tons, ritmos.
   Uma cerejeira sem folhas, sustentada em caule seco de raízes grossas. Enfeitava perdida, uma das encruzilhadas aos entornos do Velho Mississípi, que ali desde sempre esteve embalando trovões, orquestrando o seu delta, com a fúria de suas corredeiras sem fim.
   Aos poucos sumiam as pegadas de um homem que seguindo trilhos sem trem, desejava tocar o blues como nunca antes tocou. A chuva fina aos poucos molhava o brim desbotado e poido, enchia de lama os sapatos de solas gastas, arrepiava de frio uma pele ressecada, mas porém não fazia seus dedos sequer escorregarem em falso durante as trocas de nota. Nas gírias de 1929, na simplicidade de quem gostaria de ganhar o mundo com sua música. Uma alma velha-alma de apenas 27.
   O vento soprou forte. A chuva engrossou e quase que como em uma competição aquele som não calava, aquela agonia caipira em notas de banjo não cessava. Até que um raio caiu. 
   No pós susto e repentinamente, avistou um homem trajando terno branco. A sua gravata borboleta avermelhada mostrava um nó impecável e se apoiava em uma bengala de topo esculpido em um globo dourado. Exprimia um olhar raivoso de frieza sem tamanho, que sorridente perguntou:

- Cheiro de alma virgem,  porque sua música tanto grita?
-Meu caminho é sem rumo, e até minha alegria é sofrida e a vontade de abraçar o mundo não aquieta com as mais ricas rimas. - encarou o jovem ao olhar de frente o bem vestido senhor, protegido da chuva por um chapéu panamá envolto por uma fita vermelha.
-Alma virgem, de roupas sem sangue. Quais são os teus desejos, quais são as tuas ambições? 
-E quais riquezas poderia comprar sem dignidade em papel  ou ouro nos bolsos, de nada valendo a cor da minha pele e de nada valendo meu trabalho sem choro? Deixa-me aqui com o banjo em punhos e segue teu rumo!
-Alma virgem, de roupas sem sangue. Quero as tuas notas, da-me teu preço.
-Nem os contornos da mais bela meretriz, nem o gosto do mais puro malte, nem o amargo do mais saboroso tabaco. Deixa-me aqui com meu banjo e como antes disse: segue teu rumo!
-Meu rumo vem do "para sempre", do "sem tempo",  do "sem rumo", da foz da cobiça, da origem da vaidade. Toca tuas notas pra mim e tinge a tua alma de vermelho.
-E porque faria isso, velho rico, mestiço e sem brilho? 
-Desse jeito a tua música alcança a este e a um outro mundo. Fala-me teu nome, toca-me uma canção e ganhas tudo.

O jovem ficou mudo, sorriu debochado. Encarou de pé o Velho que balançava seu rabo. Empunhou seu banjo e lhe gritou: "Meu nome é Robert Johnson. E a isto chamam blues."

Naquele momento a chuva parou e um homem de alma tingida em sangue nascia para o mundo.

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18 de março de 2013

A Fé do povo mimado.


   Há algum tempo fui surpreendido por um desabafo de um amigo residente:

"Se alguém sobrevive à um acidente ou doença, é graças a Deus. Se alguém morre, é erro médico."


   Fé é anti-lógica e acredito que é isso que os enfermos esperam: qualquer coisa que cure, qualquer coisa que faça aquilo passar. E nas situações de risco, o indivíduo espera que esse momento seja superado com o mesmo desespero.
   O fato é que fé não evita que seu amigo bêbado não bata o carro e nem que um avião caia devido ao mal tempo. A fé não evita que você tenha câncer de pulmão depois de fumar 2 maços por dia durante anos. A fé não evita aids. Essas coisas se evitam com bom senso, prudência e camisinha. Médicos não são deuses, mesmo que você e alguns deles acreditem nisso.
   Tenho certeza que se as pessoas (mimadas procurando solução fácil em um Deus) usassem mais desses artifícios, dependeriam menos da fé. E seriam um tanto mais dignas de si mesmas.
    Eu ja perdi parentes, pai e amigos. Passei por inúmeras situações de perigo, tendo eu mesmo me colocado em muitas delas.Na verdade, acho muita covardia pedir algo que não seja calma e sagacidade pra algum Deus nessas horas.
   Milagres hoje em dia são baseados em porcentagem, em chances.

   Há quem acredite que milagres são baseados em correntes, simpatias, rituais,dinheiro doado, roubado ou acumulado - o quê é pregado por algumas igrejas e entidades em maioria.
Só pra deixar claro, eu realmente acho que é muito bonito rezar por um milagre.
Apenas acho muito mais bonito e digno quem vive da consequência de seus próprios atos.