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16 de setembro de 2018

Setembro Amarelo, quase uma hepatite

   Outubro é o mês do meu aniversário. Estando longe dos meus amigos e familia há mais de 1 ano e meio, faço uso das redes sociais porque geralmente lembro de algo engraçado e de alguma forma, bate saudade. Isso acontecia quase que diariamente, mas algo vem mudando. Eu saí do meu cercado achando que o quê me pertubava era a falta de perspectiva e que as pessoas, só não sabiam observar que a causa de tanta desgraça, é estrutural.
  Eu estava errado. Acho que 100% errado, visto que ser capaz, inteligente e esforçado te leva a qualquer lugar. De fato estava fugindo de algo que me fazia muito mal e acho, que quando parei para observar me assustei com o quanto tinha deixado de lado o meu corpo, meus habitos e minha saúde como um todo. Não gostei, não gosto do quê vi e vejo no espelho. Veja bem, eu não me odeio, acho que sou até soberbo na hora de olhar para as minhas qualidades. Na minha psiquè isso funciona como algo que tem a ver com desperdício, já que nos melhores colégios eu era o aluno que dava trabalho, que só queria brincar. Eu gostava tanto de ir pro colégio... eram amigos da minha idade e as brincadeiras eram as melhores - eu comecei a aprender informatica em 1988. O colégio era referência, parecia um castelo, tinha uma tamarindeiro, piscinas, coreto e a menina mais bonita e popular era filha de político, claro.
   Na minha cabeça era tudo uma brincadeira, um grande Facebook da vida real onde havia zero compromentimento com responsabilidades: pilhas e pilhas de deveres de casa não feitos, advertências, suspensões. Eu só entendi como a vida funcionava anos depois com tanta reviravolta, indo pro colégio no nono ano do Ensino Fundamental e usando uniforme, encontrando um amigo que tava na faculdade e sentindo vergonha. Cerca de uns 8 meses depois namorei uma menina da minha idade, familia margarina de Ipanema, fazia arquitetura na Santa Ursula, tava tirando carteira de motorista e o computador aonde ela fazia os trabalhos de faculdade era mais caro do quê o meu quarto inteiro. Obvio que menti a minha idade, falei que tava quase me formando no ensino medio e que, queria fazer desenho industrial. Eu menti de todas as formas até que ela me viu na porta do colégio, em uma das suas voltas pra casa.
   Alí, alguma coisa clareou na minha maneira de entender o mundo: a gente tem que sobreviver, tem que sobreviver o tempo todo. O colégio caro, o tamarindeiro, a praia, os presentes e festinhas megalomaníacas de aniversário, as surras...  eram artifícios pra me preparar, pra me tornar forte o bastante e conseguir me virar, sobreviver sozinho.
   Seguindo esse plano eu aprendi piano, bateria, violão, surf, a montar/consertar computadores, mexer nas raizes de sistemas operacionais, aprendi desenho tecnico, historia da arte, lavar louça, empacotar comida chinesa, artes marciais, cozinhar, carregar malas, capinar, a fazer serviços de marcenaria, desenhar gente nua, serviços basicos de mecânica, pintura e hidráulica, aprendi a dirigir, aprendi a escrever queries básicas de SQL, mexer em GDSs, aprendi 2 linguas diferentes da minha, fui professor de redação pra crianças carentes, barman, fui em boca de fumo pedir pra traficante poupar amigo viciado, ensinei senhorinhas a dançar bolero, tcha tcha tcha e forró, mexi com portfolios de milhares de dólares diariamente, participei de negociações envolvendo milhões, tirei foto de sushi e do cafezinho com creme até perceber que quanto mais você sobe na vida, mais soberbo você (petri)fica.  Cheguei aos 35 com os skills (sic) mais variados, com um diploma de bacharel sem comprar monografia, e sabendo construir uma casa de pau-apique (é sério). Mas infelizmente, sou incapaz de oferecer constância ou equilibrio na hora de seguir o plano "da mão invisível" do mercado.
Puxa, logo eu? O menino que tudo teve, o menino que nada construiu porque se nega a seguir o protocolo, o menino que nunca vai encontrar paz no meio dos modelos que a sociedade (vulgo, você que lê a esse texto) têm pra me oferecer. O menino de quase quarenta que lê textos lindos sobre o setembro amarelo e se pergunta: "será que eu conto que a vontade de morrer brota desse tipo de fingimento? Será que a fé é algo tão tateável ao ponto de tirarmos selfie com a imagem de uma santa e fechar o vidro do carro pra não sermos incomodados?" Falar sobre o desejo de um mundo melhor, todo mundo fala... posta, escreve, desenha, pinta - enfia o pincel no cú.
   Passei a entender que eu sou um menino de pés sujos, suado e querendo brincar de pique-cola-americano porque faltam 20 minutos pra ir jantar, estando em um playground lotado de crianças limpas, emburradas e brincando sozinhas, cada uma com um brinquedo mais legal que o outro.
   Quem são as suas referências?! Eu olho em volta e me sinto sem chão, sem um norte visto que todo mundo tá infeliz tendo a certeza de que está fazendo tudo certo. Em Copacabana, em Portugal ou  no Canadá: parece mentira mas algumas vezes, o mundo dentro das nossas cabeças preserva aquilo que nunca de fato existiu no mundo físico. Não sei se essa é a única maneira de sobreviver: catando lixo no Canadá, lembrando do tamarindeiro, se convencendo todos os dias de que vale a pena acordar e encarar a minha dose diária de veneno, chamada "sociedade". Mas e aí? Ninguém me ensinou o caminho por onde eu vou praticar tanto conhecimento sem ser sugado, explorado, cozinhado e descartado.
Setembro amarelo, né? Tá certo. Sigam-se as eleições e que venha o Outubro Rosa.